Paulo Laureano Estar vivo é uma condição precária com um péssimo prognóstico...

As saudades do meu Doguinho



São um milhão de pequenos pormenores que me assombram. Não o ver quando acordo, pacientemente à espera do passeio da manhã, do pequeno-almoço, das minhas festinhas. Não se levantar sempre que eu mudo de posição. Não o ver ao meu lado em cada ida à cozinha ou à casa de banho. Não o ver a olhar para mim, deitado, à espera que eu fizesse qualquer movimento. O brinquedo preferido dele a cair no meu colo, as orelhas levantadas, os olhos arregalados.

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Nós temos as nossas vidas sociais, os nossos trabalhos, as nossas séries de televisão... o doguinho tinha-me a mim e a dona. Nós éramos tudo. Comia quando estávamos presentes, mesmo que a comida estivesse ao lado dele, era a nós que dedicava toda a atenção. Todos os nossos movimentos podiam dar origem a uma festinha, a coisa mais importante na vida dele, havia sempre a possibilidade de se sentar à nossa frente, levantar as orelhas e arregalar os olhos... porque coisas boas aconteciam quando o fazia, porque era irresistível de charme.

Até das pequenas irritações tenho saudades. Saudade de o ver cheirar a relva minutos a fio quando eu tinha pressa, como se estivesse a descobrir um novo universo de cheiros diferentes da véspera. Saudade das vezes em que não me deixava vestir-me ao meu ritmo, porque sabia que eu o ia levar à rua logo a seguir. Saudade do ar arrependido quando fazia asneiras, mesmo antes de eu dizer alguma coisa. Saudades de quando se metia entre mim e a televisão para reclamar atenção.

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Ah, e tão importante era para ele a sessão diária de me lamber os pés antes de eu me deitar, de beijinhos no pescoço, de esticar o pescoço para me cheirar... A expressão dele a encher-me de mimo, era a altura em que ele sentia me estava a dar as festinhas, a retribuir todas as que lhe tinha dado durante o dia.

Ele gostava de pessoas. Está tão vívido na minha memória, no que acabaria por ser o ultimo fim de semana da sua vida, ele no béltico a brincar com o Vasquinho (bebéWinking e com o Gonçalo, a pedir festinhas ao meu pai sempre que o via. A invasão de miúdos na quinta no primeiro dia do ano.

As pessoas que não o conheciam podiam ter medo dele, por ser tão grande e imponente, mas ele adorava todas as festas... e nunca o vi ter qualquer tipo de relutância em estar com alguém. Até a persistência dos miúdos era aceite com resignação e infinita paciência, mesmo quando ele já só queria um cantinho sossegado. Ninguém nos podia visitar sem o doguinho tentar extrair tanta brincadeira e festinhas quanto possível, sempre a baixar a cabeça e a olhar para o chão quando sentia que tinha começado uma sessão de festinhas, sempre a encostar o corpo contra as pernas das pessoas a torcer-se de mimo.

Adorava outros cães. Fez umas amigas, a Anuk que adorava e com quem passou uns dias em São Pedro, a Pipa a quem ofereceu todos os seus brinquedos quando o Miguel e a Joana a trouxeram cá a casa, a Lara que encontrava esporadicamente nos passeios. Com os cães era mais complicado, por muito que ele se tentasse aproximar normalmente recebia umas ladradelas (o tamanho dele e ser macho não ajudavam), mas ele impreterivelmente latia para eles, abanava o rabo furiosamente, ladrava de volta “para o lado” em vez de ladrar “de frente” para eles.

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O meu cão. Que crédito para a raça (Dogo argentino). Que generosidade, que carácter, que vazio enorme na minha vida fica depois de o perder... e agora? Entrar em casa sem o ver encostado à porta dói. Não o passear de manhã, ao final da tarde e à noite, é horrível.


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Passo a vida a olhar para o lado à procura do meu companheiro, e em vez de o descobrir a olhar para mim vejo os espaços que ele ocupava vazios. Que dor na minha alma... que vazio. Que saudade.