Paulo Laureano Estar vivo é uma condição precária com um péssimo prognóstico...

E-commerce e acidentes

Há uns tempos atrás escrevi um texto sobre a importância de os sistemas de comércio electrónico serem inteligentes. É quase um insulto ao cliente serem o oposto, não terem memória, não serem capazes de reconhecer o cliente que acabou de navegar no site e fazer uma compra. É como ter a Dory do “Finding Nemo” por trás do balcão a atender clientes. Pode parecer hilariante, mas não é… é mesmo uma catástrofe. Infelizmente presente na maior parte dos sites de comércio electrónico nacionais.


Conhecer o consumidor



Fazer montras de comércio electrónico é uma mistura de (bom ou mau) gosto, (mais ou menos ) inteligência e (maior ou menor) conhecimento do cliente com quem se está a interagir no momento. Uma boa montra tem que ser bonita, o(s) produto(s) que mostra precisam de ser visualmente explorado(s) de forma inteligente e é um disparate de todo o tamanho estar a mostrar ao cliente o produto errado (que ele por exemplo já comprou ou de uma secção da loja na qual demonstrou total falta de interesse). Claro que não é fácil ou simples. Se fosse não haveria tanto óbvio disparate na web.

Existem dois tipos de abordagem ao problema:

- Tentar mostrar o máximo possível de produtos o mais depressa possível (desde a primeira página), forçosamente a maioria em versão quase iconográfica, disparando em todas direcções que potencialmente atinjam o objectivo de vender alguma coisa.

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- Fazer montras minimalistas com o máximo de destaque visual a cada produto (seguida pela Apple e principais fabricantes de produtos "topo de gama").

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Pessoalmente prefiro a segunda abordagem. Em ambos os casos é relevante escolher bem o que se mostra, principalmente quando se segue a abordagem "minimalista" e usar critério aplicado ao conhecimento que temos do consumidor com que estamos a interagir. A principal diferença entre a Amazon e uma Worten ou Fnac (sendo que as três enchem páginas de produtos) é precisamente o critério de escolha do que mostrar.

A Amazon mostra conjuntos de produtos baseadas no conhecimento que tem dos clientes: “Related to Items You've Viewed”, “Recommendations for You”, “Inspired by Your Wish List”, “Inspired by Your Shopping Trends”, “New for you”, “Your Recently Viewed Items and Featured Recommendations”. A worten e a fnac mostram a versão “totalmente amnésica”, “surda” e “cega” do vendedor que não faz a mínima ideia de quem tem à frente. Mostram “secções da loja”. Cada iteração com a Amazon aproxima o cliente dos produtos que estatisticamente (baseado no seu padrão de consumo) para ele são relevantes, ao contrário do que acontece nas lojas nacionais, em que cada iteração com o cliente é sempre semelhante à primeira.

Montar um sistema de registo e análise de padrões em tempo real demora horas e é infinitamente mais barato que tratar os clientes desta forma. A Full IT tem soluções chave na mão para integrar com qualquer site ou sistema de CMS. Há livrarias em open source para quem achar que explorar o assunto directamente é melhor abordagem que contactar uma empresa com 20 anos de experiência para ajudar e acelerar a implementação… em sistemas modernos é perfeitamente possível oferecer resultados em tempo real em decimas de segundo. O que era impraticável há uns anos é hoje francamente barato.


Comunicar visualmente de forma a facilitar o processo de compra



Conhecer o cliente e saber o que mostrar é o mais importante, no entanto, logo a seguir, surge a questão de como mostrar. Confesso que fico doente com os milhares de péssimos exemplos que encontro de falta de critério. É a loja de vinhos que mostra fotografias minúsculas de garrafas, em vez de rótulos e marcas, pessoas a saborear o vinho, copos e o liquido… ou thumbnails de “sound bars”, ou de “máquinas de lavar”. Essas listas “visuais” não produzem nenhum valor acrescentado à experiência de compra e não aumentam capacidade de escolha ao consumidor. São só um disparate, provavelmente tornam o processo de escolha “mais complexo”, representam um obstáculo à venda em vez de serem um factor facilitador.

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Quando se entra no “detalhe” do produto encontramos tipicamente textos pobres na descrição, uma reprodução das fichas que estão nas lojas físicas, e uma confrangedora falta de ilustração, principalmente ao nível do detalhe. Um exemplo óbvio é quando se procura uma maquina de lavar roupa, em que é relevante ver que botões possui e respectivas legendas. Sem as imagens em alta definição esse processo de “descoberta” e avaliação é uma tarefa impossível. O mesmo se aplica às fichas disponíveis em computadores e televisões e a exploração visual. Em filmes é relevante a capa e contracapa em alta definição. Os detalhes das caixas de qualquer produto com a informação do fabricante são elementos relevantes. Um consumidor nas lojas físicas usa a visualização desses elementos no seu processo de escolha e decisão.

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A Amazon lida melhor que as lojas nacionais com a ilustração de produtos, tipicamente apresentando mais imagens, com a possibilidade de as ver em detalhe com um efeito de lupa. Fotografar / filmar em alta definição produtos, em ambiente uniforme (luz, fundos, etc) custa paradoxalmente sensivelmente o mesmo que fazer um mau trabalho. É mais uma questão de metodologia que de mão de obra, o custo inicial é residual quando comparado com os custos fixos de operação ao longo do tempo.

Comprar produtos visualmente semelhantes, mal ilustrados, mal descritos, sem, qualquer ajuda excepto nomes de normas (que não são explicadas) apenas com base no preço e marca, é um convite a ter clientes que compram produtos errados, ficam descontentes e compram forçosamente menos onde for mais barato.


O que faz o vendedor na loja física?



É absolutamente vital ajudar o cliente na sua experiência de compra, explicar siglas, agrupar produtos em função da qualidade, conduzir a boas escolhas. E a boa escolha pode ser o produto melhor, mesmo que mais caro, o que apresente melhor relação de qualidade / preço, o que sendo barato apresenta os seguintes compromissos que podem ser aceitáveis pelo comprador.

A conversa e aconselhamento com um vendedor na loja física é tipicamente no sentido de responder a estas questões. Não o ajuda percorrer o labirinto de bancadas repletadas de ofertas semelhantes. Ajuda quando é claramente apontado que existem X gamas, que os factores de distinção são estes, que a recomendação que fazemos para o sistema de “buget” é esta, que a escolha para o melhor compromisso entre qualidade e preço é esta, que o melhor produto é o Y.

A wikipedia faz um excelente trabalho a descrever normas e siglas. Os textos são criados com licenças que permitem a sua utilização. O staff das lojas sabe quais as perguntas relevantes feitas por consumidores e as respostas que dão. A questão é porque esses elementos não chegam aos sites.

A solução óbvia é criar estruturas de comunicação entre o staff da loja que de forma eficiente e sistemática assegurem a criação e manutenção da informação, que no fim da linha chega aos sistemas que os clientes utilizam. Gamificar a actividade comercial ajuda substancialmente a recompensar, reconhecer e fazer uso, dos funcionários mais capazes de responder às questões relevantes para guiar os compradores. É um processo de concorrência interna saudável e entreajuda. Resulta também numa inevitável capacidade de avaliação e comparação entre melhores e piores vendedores, numa ferramenta que acelera e potencia a formação e desenvolvimento dos quadros.

A minha experiência de conhecer o trabalho do mestre (guru) da gamificação ( Rui Cordeiro da fractalmind.pt para os interessados) foi particularmente rica nos últimos anos. Mostrou-me que as empresas encontram extrema dificuldade em descobrir e analisar a sua própria realidade, em conhecer o verdadeiro potencial dos seus funcionários individualmente e os avaliar / comparar correctamente. Por outro lado, mostrou a ansiedade das pessoas para terem oportunidades de mostrar o seu valor, os resultados do seu trabalho, o seu empenho e compromisso com as empresas que os empregam, a falta de formação de que necessitam, a falta de meios para aprenderem de forma metódica e persistente com os colegas.

Os sistemas de informação permitem compilar, trabalhar e apresentar aos consumidores o que de melhor existe ao nível do aconselhamento e recomendações entre o staff. Este staff reúne informações absolutamente preciosas relativamente ao feedback de clientes que recebem, sobre dificuldades no processo de compra. Infelizmente faltam-lhes os meios para de forma sistemática comunicarem com os clientes que não estão fisicamente junto deles, a sua voz, sabedoria e experiência, é limitada porque ninguém conta com eles para trabalhar no online. Abram as portas, distribuam os “megafones”, que o mérito, esforço, conhecimento de causa e talento rapidamente sobressaem.



O falhanço espectacular do crowdsourcing de reviews e comentários na lojas nacionais



É deprimente olhar para os formulários de “reviews” e feedback de produtos nos sites nacionais. Não existe qualquer sentido de comunidade, as pessoas não encontram motivação para regressarem às lojas e dar uma opinião, e nada é feito no sentido de alterar esse cenário. No entanto, ter caixinhas de feedback parece estar no livro de requisitos de quem monta lojas online, provavelmente por verem os resultados que produzem em sistemas como a Amazon.

É o elefante na sala, que todos reconhecem lá estar, mas de que não se fala. Não há mais comentários porque ninguém quer ser o primeiro, porque pouca gente participa, porque há muitos produtos e o pouco feedback existente está disperso. Na realidade o que se passa é, para não variar, uma quase total falta de estratégia e de aplicação de inteligência ao problema. Está à vista o resultado…

Para que as pessoas se envolvam com a marca, produtos e serviços, é necessário perceber o que as motiva, a componente emocional e as recompensas das suas acções. Não haveria facebooks e twitters sem “likes” e “loves” nos posts, “amigos” e “seguidores”. A mentalidade de tribo, a necessidade de validação social, a necessidade e facilidade de expressar emoções (positivas ou negativas), os factores de motivação para apontar o dedo ao que se considera relevante. Não havia jogos sem puzzles por resolver não haveria tabelas de “melhores pontuações” e “troféus” à vista dos amigos orgulhosamente partilhados e coleccionados. Não haveria “reviews” dos condutores no Uber em mais de 95% das viagens se não tivessem sido identificados as motivações para as pessoas participarem, a motivação para os condutores terem bons resultados, e montada a plataforma de forma a que as pessoas possam participar e se sintam motivadas para o fazer.

A gamificação do crowdsourcing é a solução óbvia. Menos óbvio é como o fazer bem (novamente, deixo isso para pessoas que criaram jogos durante décadas, de tabuleiros a blockbusters digitais, como é o caso muito singular do Rui Cordeiro da fractalmind.pt ). Saber identificar CORRECTAMENTE motivações e recompensas, colocar no terreno os métodos correctos e cenários ideais para que essa participação ocorra, é o segredo para formar comunidades vibrantes e participação.

A boa noticia é que é melhor ter lojas completamente desprovidas de comunidades vibrantes… que ter o nojo que são os comentários de jornais nacionais. Entre ter uma comunidade absolutamente agreste e que cria um péssimo ambiente, gerando literalmente lixo, é preferível não ter coisa nenhuma. Estes casos são a demonstração cabal do que é não saber gerir uma comunidade, não saber orientar uma vontade absolutamente óbvia de participar, não entender de todo motivações e recompensas. O problema de lidar mal com estas questões pode ter um preço a pagar substancialmente maior que ser ignorado.


Stocks, prazos de entrega, comunidades de vendedores e comunicação com clientes…



A minha experiência a comprar na fnac e worten online é absolutamente trágica.

Na Fnac é um exercício de frustração usar o “marketplace”, com encomendas que são canceladas (pelos vendedores incapazes de entregar os produtos que colocam à venda), preços desactualizados, pesquisas poluídas por uma oferta artificial e mal trabalhada. Tudo funciona melhor com os produtos vendidos pela própria fnac. Uma péssima ideia ter o "marketplace" quando não se assegura que as ofertas expostas são reais e estão actualizadas.

Na worten em metade das encomendas dos ultimos meses não havia stock para honrar os prazos de entrega expostos. Aconteceu com headphones, que só foram expedidos vários dias mais tarde, com mensagens pelo meio a pedir desculpa e a perguntar se preferia esperar ou desistir. A questão para o consumidor é se a frustração de descobrir esses casos não causa uma erosão excessiva de confiança na relação com consumidores.

Em anos a comprar na Amazon, literalmente centenas de encomendas, nunca tive “azares” semelhantes. Nas lojas nacionais compro menos. Estou sempre a equacionar se quero comprar por impulso ou se mais vale ir lá “quando tiver tempo” porque me arrisco a que o produto não chegue nos prazos anunciados ou que a encomenda seja cancelada por ser uma oferta fantasma.

A abstracção da transacção simultânea online (pagar com o produto na mão à saída da loja, por oposição a confiar que o contrato implícito nos stocks e prazos de entrega online) ser “segura” e “previsível” é relevante. No entanto as lojas nacionais não estão a considerar adequadamente o problema que criam com estes casos. A Amazon por seu lado enviou-me encomendas em duplicado quando houve atrasos / extravios aparentes (todos “falsos positivos” diga-se!) e eu expressei o meu desapontamento por não ter chegado antes do prazo. Em todos os casos em que vendedores do marketplace se portaram mal (os produtos chegaram tarde, danificados ou não correspondiam de alguma forma ao anunciado) a Amazon imediatamente entrou em campo no sentido de me proteger e se colocar ao meu lado.

A worten e fnac fazem a mesma coisa, protegendo exemplarmente os seus clientes em compras na loja. Tenho zero de negativo a apontar depois de anos como cliente. Online, misteriosamente, dão aparentemente menos importância às más experiências de compra. É a sedução pelo potencial dos modelos de "marketplace" (no caso da fnac) e pela venda do “long tail” (no caso da worten)… quando a experiência do cliente, retenção e maximização do potencial do mesmo como consumidor, deveria ser mais importante. São lapsos momentâneos de senso em empresas que mostraram ao longo de anos no mercado que possuem os valores certos.