Paulo Laureano Estar vivo é uma condição precária com um péssimo prognóstico...

Défices


Um estado não deve ter défices, como uma empresa não deve ter défices, como uma família não deve ter défices. Não devem gastar acima dos seus rendimentos. Se querem gastar mais dinheiro precisam de arranjar mais rendimentos, ou recorrer às reservas que acumularam, se o fizeram.

Existem razões excepcionais para que existam défices temporários e legítimos para estados (guerras, catástrofes naturas, epidemias), empresas (calotes de clientes, mudanças súbitas e temporárias de condições de mercado), famílias (emergências médicas). Antes que algum artista venha enumerar mais razões legitimas: os exemplos dentro dos parêntesis não é suposto serem a lista exaustiva.

Pedir dinheiro emprestado não é nenhum pecado capital, e pode fazer todo o sentido em vários cenários, mas significa um risco, e um esforço maior que o de acumular o mesmo dinheiro primeiro e gastar depois (i.e. paga-se o dinheiro mais os juros, em troca não tem de se esperar o tempo de acumular o capital em falta). Pedir dinheiro emprestado para seja o que for, que não implique um retorno "maior que o custo do empréstimo em juros", significa obviamente diferir um esforço "maior e implícito" para obter determinado resultado.

Fazer poupanças (ou seja o oposto de ter um défice) implica que se está melhor equipado para lidar com emergências e que se tem reservas para lidar com imprevistos pagando défices extemporâneos com reservas previamente acumuladas, em vez de recorrer a dinheiro emprestado. Diz o mais elementar bom senso que estados, empresas e famílias, precisam de por norma gastar menos que o dinheiro disponível para poderem ter essas reservas.

Porque alguém, ou outros todos, fazem o disparate de atropelar os mais elementares princípios do bom senso isso não quer dizer que se deva fazer a mesma coisa. Porque alguém pede dinheiro emprestado, aposta e ganha, conseguindo resultados excelentes, não quer dizer que todos os que pedem dinheiro emprestado façam investimentos igualmente bem sucedidos. Nem quer dizer que a mesma receita exacta possa ser aplicada várias vezes e resulte sempre (era bom, mas não é assim).

Vários idiotas em estados, empresas e famílias, fizeram o oposto. Por todo o mundo. Isso não faz com que os parágrafos anteriores estejam errados. Nem faz com que as empresas de cartões de crédito, bancos e investidores diversos em obrigações dos estados sejam "demónios". O problema fundamental é as pessoas (à frente de estados, empresas e famílias) tomarem más decisões e seguirem maus exemplos (provavelmente isolando os casos em que viram coisas resultar bem, pessoas/empresas/estados que pediram dinheiro emprestado, fizeram bons negócios e usaram-no como alavanca para criar uma realidade mais favorável e menos penosa, e assumindo erradamente que vai resultar da mesma forma para todos). Porque toda a gente faz não significa que não seja um disparate imprudente isento de risco. Porque funcionou para "A", não significa que funcione para as restantes letras do alfabeto.

Sou indiferente a empresas falharem, talvez por ser empresário, por saber que o risco de isso acontecer é inerente à existência de empresas, porque faz parte do risco que aceitei quando fiz a minha empresa. São decisões minhas, e dos meus sócios, que ditam o destino e não tenho alternativa que não seja tomar as melhores decisões que consiga e aceitar as consequências (sejam elas boas ou más).

Ver os sustentáculos de unidades familiares tomarem más decisões é um drama. Mais não posso fazer que ajudar quem me é próximo. Mas tenho dificuldade em perceber como é que gastar sistematicamente mais do que se ganha (viver a crédito) pode na cabeça de alguém "correr bem". A alienação entre o acto de gastar/aceitar dinheiro emprestado e a percepção exacta do esforço para pagar esse crédito não faz sentido. De alguma forma as pessoas conseguem ver os benefícios de "ter já" com muita facilidade e não ver o esforço futuro necessário para pagar a conta. Irracional e não, não é "ser humano", é ser burro. São coisas diferentes que não quero que sejam sinónimos.

Ver estados endividarem gerações gratuitamente e de forma leviana é repugnante. Há motivos para o fazer (guerras, catástrofes naturais, epidemias, etc) mas o bem-estar e ganância temporários e de curto prazo dos políticos, e quem os elege, não são uma delas. Se há regra constitucional que deveria existir é a limitação do endividamento de médio e longo prazo. Os vossos filhos e netos merecem não estar limitados pelos progenitores burros que tiveram.

Usar como desculpa que "os outros" também fizeram não fica bem a idiotas adultos com argumentos e comportamentos de crianças irresponsáveis. Estamos a ter o comportamento de burros apaixonados por utopias. Há consequências de longo prazo. Quem tem filhos/netos devia pensar um bocadinho no legado que lhes está a deixar.