Paulo Laureano Estar vivo é uma condição precária com um péssimo prognóstico...

O E-Commerce não é uma duplicação do retalho “tradicional”…


É o "elefante na sala" que ninguém parece identificar… As empresas de retalho quando fazem vendas “online” procuram transpor do “offline” para a Internet procedimentos que não são de todo adequados. São os procedimentos que conhecem, as “receitas” para o sucesso “offline”, e o primeiro impulso é duplicar o que funciona. Fazem-no de forma quase automática, e às vezes até particularmente bem, tentando transpor o que fazem “offline” para a web. Só não pensam o suficiente sobre o assunto…


As montras online não devem de ser estáticas como no retalho tradicional…



Os computadores são extraordinariamente bons a coleccionar dados, a guardar informação sobre cada acção dos utilizadores, e igualmente bons a comparar padrões (i.e. sequencias de acções) entre utilizadores. São igualmente extraordinários a comparar dados e a fazer contas.

Imagine que um funcionário de uma loja física (i.e. tradicional) se lembra de todos os clientes, conhece cada um deles através do que compraram, todos os produtos lhe interessaram, perguntas que fizeram… Nunca se esquece. Nunca perde o cliente de vista.

Imagine que esse funcionário conhece, com uma certeza matemática absoluta, as probabilidades estatísticas do “top” de acções futuras prováveis para o cliente que tem à sua frente (i.e. pessoas que tiveram este comportamento X% compraram o produto A, Y% compraram o B, Z% o C. Imagine que esse funcionário aprende que acções explicitas (comprar algo) são tão importantes como “virar à direita” para uma dada secção da loja, pegar num dado produto mas não o comprar, e não se esquece de nenhuma acção… nunca.

Imagine o potencial de vendas desse funcionário, de discretamente poder mudar as montras em tempo real antes do cliente olhar para elas. Saber sempre o que sugerir e o que evitar, não por intuição de vendedor, mas por reconhecer padrões e agir em conformidade.

Esse funcionário “excepcional” é o seu servidor de e-commerce. Nunca se distrai, está sempre numa relação “um para um” com cada cliente individual, multiplica-se as vezes que forem necessárias para cada cliente.

Não o tenha amnésico, desligado da realidade de cada cliente, a mostrar as mesmas coisa a todos os visitantes. É literalmente dar álcool ao seu melhor vendedor até ao ponto de ser totalmente inapto para desempenhar a função dele. Venda ideias, produtos ou noticias… é exactamente a mesma coisa.


Uma longa história de 18 anos de evolução…



O primeiro cliente a quem fiz “data mining” (calcular e organizar padrões de acções e extrair estatisticamente a previsível acção seguinte da sequencia) foi a uma grande empresa de retalho multinacional há muitos anos atrás (década e meia seguramente). Entretanto já fizeram e refizeram o site várias vezes, não faço a mínima ideia se passaram ou não do básico (receita para o mau e-commerce).

Na altura em que montei o sistema dessa empresa a minha maior preocupação era o tempo real. O poder computacional era mais limitado do que é hoje, e ao contrário da amazon, eu fazia questão de explorar todos os dados em tempo real, pelo que tinha de fazer opções que iam desde limitar o tamanho de padrões (i.e. sequencias de acções) a exercer um critério “simplificado” na classificação (peso) de cada acção (i.e. sequências de produtos e interacção com o carrinho eram mais importantes que ver o detalhe de um produto ou se o utilizador saltava de uma secção do site para outra).

Durante todos estes anos, fui refinando algoritmos, e tecnologia. Oferecendo os meus serviços e implementação (genérica, independente do site propriamente dito) a várias entidades. Recentemente montei uma pequena demonstração para usar em palestras e conferencias.


movie.finders.guru



Não é o site que interessa. O site propriamente dito não tem nada interessante, vai buscar informação de filmes a bases de dados na internet, e nem sequer o faz de forma particularmente inteligente ou eficiente. Tudo o que ali está foi o resultado de umas poucas horas de trabalho. O que interessa ali é verificar como as nossas acções determinam o que vimos na iteração seguinte com o sistema.

Siga passo por passo a receita:

1 - Entre no sistema (http://movie.finders.guru ). Se nunca o fez antes aparece uma montra com alguns filmes em exibição… ignore os ditos, não os classifique, ignore. Estes filmes representam os conteúdos de uma montra genérica, feita por um sistema que não conhece o visitante.

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2 - Procure e classifique o “Shrek” com 5 estrelas, é o filme da sua vida para efeitos da demonstração. E as primeiras coisas que o sistema sabe sobre si (que “pesquisou pelo filme” e lhe “deu cinco estrelas”, são duas acções).

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3 - Clique em “You may like” (uma das quatro listas permanentes para a demo; as restantes são “Want to see”, “Not interested” e “Your picks&rdquoWinking E verifique o que mudou na lista… Repita o processo para dois ou três filmes. Escolha mesmo uns de que goste, remova o “Shrek da lista (“Your picks” se quiser). Repare que cada acção, incluindo o “clicar” numa lista, o que ignora, o que faz perante os filmes apresentados, tudo são “acções”, e como tal moldam o que está a ver de seguida.

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Engraçado não é? Agora imagine isto por trás de cada site de e-commerce a fazer o trabalho… Eu tenho duas décadas a refinar soluções e não poderes mágicos. Nada do que aqui foi mostrado é “rocket science", até há livrarias open source para fazer os cálculos, e os melhores algoritmos para o efeito há muito que são públicos… o resto é fazer boas escolhas.


Não maltratem as pessoas…



Na web as pessoas devem ser mais livres de seguir impulsos, a iteração deve ser facilitada nesse sentido. Sim faz todo o sentido em muitos casos que tenham cestinhos de compras. FAz zero sentido em tantos outros. É o “iTunes” (compra por impulso “musica a musica” ou “álbum a álbum”, “livro a livro”, etc) versus a gestão de listas “por comprar”. A formula correcta difere de negócio para negócio. Mas há mais opções, como ter listas de produtos comprados e ainda não entregues (por oposição a listas de produtos por comprar), e não antes que falem mais depressa do que pensam: não precisam de ser processados os pagamentos individualmente (como os clientes do iTunes descobriram quando compram mais que um produto, estes podem ser processados de forma agregada).

Para quem faz compras de supermercado online… a gestão de listas de alguns sites são uma coisa demoníaca. E de vez em quando “perdem-se”, desaparecem, produtos são substituídos porque afinal “não havia” em stock e disparates afins. Dentro de uns anos isto serão histórias em que ninguém acredita, mas hoje são reais.

É mais fácil vender com menos poluição visual. Menos produtos, os certos para cada cliente em cada página. Lembram-se da formula Yahoo / Altavista nos portais de pesquisa há uns anos, em comparação com a do Google, é exactamente a mesma coisa. Quando mostram dois produtos que fazem um utilizador questionar “mas qual o melhor” estão provavelmente a dificultar o processo de venda. Se querem apresentar ambos ajudem o utilizador a fazer a escolha e é bom que seja uma escolha “de caras” (i.e. são a mesma coisa, só varia o preço).

O crowdsourcing e uma experiência social de compras é profundamente relevante no processo de escolher. Novamente o que “mostrar” é que é a dificuldade, e a solução deve ser por determinar isso matematicamente utilizador a utilizador, porque precisam de saber escolher a informação certa e relevante em vez de bombardear o utilizador com a dita. É mais relevante a critica (review ou pontuação, ou o simples acto de ter comprado) da pessoa que ele conhece que a de um milhar de estranhos.

Fazer sites de e-commerce é muito mais que escolher tecnologias, que o HTML, CMS e CRM que está por trás. Quem fica por aí proporciona uma experiência universal e medíocre aos seus clientes. Pior que a do senhor da mercearia, que pode não se lembrar de tudo sobre si, mas a menos que tenha alguma doença que lhe afecte a memória, o que se lembrar é útil na iteração consigo, e não se vai esforçar para lhe vender produtos que acabou de comprar ou que lhe disse que detestava ou o tratar como um completo estranho todos os dias.